quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

MEU ENCONTRO COM OS CLÁSSICOS PARTE II

Como escrevi no texto anterior, é preciso, ao lermos um clássico de filosofia ou literatura, etc., que evoquemos a experiência descrita no livro para nossa experiência, ou seja, que sintamos profundamente, de espírito, alma e corpo, o que o autor diz nas linhas que escreveu. E vice-versa, que nossa experiência nos ajude a guiar nosso entendimento na leitura.Passei quase um dia inteiro caçando um trecho maravilhoso de não sei qual autor, se Mário Ferreira dos Santos, ou Platão, no qual havia uma descrição exemplar da perspectiva do filósofo, da relação complementar entre experiência e razão.Tal trecho, que não consegui encontrar novamente entre meus livros, e que agora evoco na memória, dizia sobre um viajante que se deparasse pela primeira vez com a imagem distante de uma cidade. Esta imagem da cidade como um todo que ele tem diante de si, como todos os seus detalhes, é, a princípio, caótica, por estar este mesmo viajente ignorante do sua real amplitude, dos lugares que as coisas ali ocupam, do que acontece ali, de quem nela vive, de sua cultura e seus costumes, etc., está lhe faltando a experiência desta cidade, tal como vemos num cartão postal o retrato de uma cidade desconhecida para nós, da qual só conhecemos uma imagem geral e abstrata.Pois bem, este viajante prossegue seu caminho e decide entrar na cidade e estando já dentro dela tem percepção de seu real tamanho, da estrutura das casas, do tipo de gente que nela habita, da estrutura social e política, dos seus costumes, tradições e culturas. Ao sair da cidade e ao olhá-la novamente desde aquele mesmo ponto de vista espacial anterior, ele a contempla com todos os seus detalhes e ela já não lhe é mais uma imagem caótica e sim clara. De longe, agora, ele pode apontar para seus detalhes e explicar para si e para os outros o que se passa por ali. Sua idéia da cidade está agora completa e organizada pois experiência e a razão juntaram-se e formaram um conhecimento de seu objeto.Ao lermos uma literatura clássica, o Vermelho e o Negro de Stendhal por exemplo, nos deparamos com o primeiro capítulo de seu primeiro livro, UNE PETITE VILLE, uma pequena vila, que ocupa três páginas e meia escritas. É um capítulo extremamente simples, que descreve exatamente o exemplo acima, pois faz uma descrição física, espacial, cultural e política da pequena vila Verrières, apontando suas casas, suas colinas, rios, ponte, camponeses, madeireiras, a fábrica de pregos do prefeito, a prefeitua, a mansão do gentil homem, a maravilhosa paisagem da vila vista desta mansão, etc., ou seja, todos elementos que vão compor esta grande e trágica história estão contidos num pequeno texto de três páginas e meia, mesmo que seu personagem principal não esteja ali descrito individualmente, ele faz parte da massa de camponeses, mas vai se destacar. Este primeiro capítulo é como uma semente que contém em si a pontência de gerar uma floresta inteira. Se prestarmos bastante atenção a ele, vemos que é a fonte de uma história que chega até à revolução de 1830 na frança, dentro da qual estará Julian Sorel, o camponês que começou a trabalhar para o prefeito, entre outros eventos, que em torno deste personagem, principalmente, se expandem publica e moralmente. Acredito que este primeiro capítulo sirva como meio de ajudar qualquer pessoa que queira entender as circunstãncias e o meio em que vive, dando lhe a chance de perceber e descrever os elementos que compõe seu meio, e a partir de então perceber suas tendências culturais e políticas.Ora, qualquer professor de faculdade iria apenas descrever Stendhal como um narrador onisciente, que age como o deus da história, prevendo os fatos e determinando os acontecimentos. Mas eu prefiro ver este clássico como um belo instrumento exemplar de interpretação do mundo e do ser humano.O narrador onisciente, ou deus da história, compartilha de seu poder com seus leitores mais modestos.

Nenhum comentário: